quinta-feira, julho 22, 2010

Amor feinho



Eu quero amor feinho.
Amor feinho não olha um pro outro.
Uma vez encontrado, é igual fé,
não teologa mais.
Duro de forte, o amor feinho é magro, doido por sexo
e filhos tem os quantos haja.
Tudo que não fala, faz.
Planta beijo de três cores ao redor da casa
e saudade roxa e branca,
da comum e da dobrada.
Amor feinho é bom porque não fica velho.
Cuida do essencial; o que brilha nos olhos é o que é:
eu sou homem você é mulher.
Amor feinho não tem ilusão,
o que ele tem é esperança:
eu quero amor feinho.

- Adélia Prado -

quinta-feira, julho 08, 2010

Lição


É...
"Eu estava em paz quando você chegou", como diria aquela música linda...
Estava...agora me torturo o tempo todo, estou aos prantos por dentro, comendo chocolates como uma doente, sentindo sono o tempo todo, perdendo a noção de certas coisas importantes, sentindo ciúmes ( coisa rara!), querendo gritar, chorar, estapear, esmurrar, berrar, quebrar tudo.
Mas que coisa estranha. Mesmo sentindo tudo isso, eu me sinto bem. Porque percebo que não tem remédio, que não tem jeito e que o que você promete não vai acontecer nunca. Vejo os recados, as declarações, e são sinceras e atuais. São verdadeiras. Mas não são pra mim. Não posso me meter nisso. Não quero. Ou melhor, queria. "Mas eu e você, você e eu, juntinho", como diria outra música. Quando fico deprimida, fico musical. Mas tudo, nesse fim de semana, ficou claro como o dia. Percebi que não há lugar pra mim. Que o que sinto vai crescer e não vou ter onde colocar. Que nossas palavras são sinceras sim, mas as suas são divididas. As minhas são só pra você. Percebi, que, com isso, estou começando a me sentir muda delas. Ou, elas saem de mim, mas vão bater no vácuo. Ou elas voltam como um bumerangue, sem sentido.Percebi que não adianta, que não há solução pra mim. Senti que eu vejo as coisas de uma forma, mas você não. Me senti, como a Disneyworld...um parque de diversões. Percebi que sinto demais a sua falta e que sou ciumenta com você. Percebi que sou egoísta e que queria você comigo agora. Mas percebi, que não vai acontecer. Você fala em segurança, mas como posso dar uma coisa que eu também não tenho? Percebi que, então, sendo assim, preciso ser forte e voltar pro lugar que estava antes de você reaparecer e bagunçar a minha paz. Mas sei, que, vou sofrer o diabo por causa disso, mas vou superar. Já superei um dia. Sei, agora, que o que você tem lá, é muito forte e muito sincero e que você não vai tomar a decisão que me fará feliz. Mas também sei, que, o que você sente por mim, é de verdade. Não duvido. Dá pra sentir. Mas você tá envolvido demais por lá pra vir pra cá comigo e me dar as mãos e caminhar do meu lado. E sermos, enfim, um só. Você não vai fazer isso, apesar de , talvez, você assim o desejar. Percebi que é uma pena, pois a gente se dá tão bem e é tão gostoso ficar do seu lado. Ouvir sua voz. Sentir o seu cheiro. Beijar a sua boca. Mas, vi, que, se eu continuar nesse estado de encantamento, quando o feitiço se esvair, serei eu a cair no chão e a tomar um tombo e tanto. Tenho, agora, certeza de que essa situação não irá mudar. Não cobro nada, apenas lamento e sofro. Pois seria mágico. Como é. E como sempre foi. Mas pela metade nós não somos nós. Eu choro por dentro e por fora. O que vou fazer daqui pra frente, ainda não sei. Tô confusa demais pra saber disso. Mas sei que o amor existe e é forte. Mas não é meu esse amor. Não é pra mim. E o amor que você diz ter por mim, o sentimento, que seja, não é tão importante assim. Mas agora eu sofro. Mas o sofrimento transforma. Provoca uma catarse. Me faz ressurgir, depois, como uma fênix, mais serena, mais experiente e mais forte. Assim espero que seja, pois estou em pedaços. E as partes estão todas misturadas e não consigo encaixar nada agora. Sou como um vaso quebrado, um caco de vidro do meio do assoalho, como diria o grande e maravilhoso Fernando Pessoa. Se eu vou te esperar? Sim, posso esperar, se quiser. Por um tempo. Mas não posso esperar dessa forma. Não é certo. Nem comigo. Nem com você. Nem com ninguém. Mas, tudo bem. "Espero que esteja feliz e bem acompanhado" (outra música...rs). No final tudo dá certo, né?
Enquanto isso, pra aliviar minha solidão e minha frustração e também minha decepção com relação ao amor e todos os seus derivados ( sim! Eu não acredito mais nesse fanfarrão!) eu me recolho aos meus quadros, meus escritos e minha vida. Não tão em paz. Não uma paz, totalmente. Mas, a paz, afinal.

segunda-feira, julho 05, 2010

Ai, ai, João Cabral de Melo Neto...


O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato.
O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço.
O amor comeu meus cartões de visita.
O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.
O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas.
O amor comeu metros e metros de gravatas.
O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus.
O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.
O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas.
Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X.
Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.
O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia.
Comeu em meus livros de prosa as citações em verso.
Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.
Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete.
Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.
O amor comeu as frutas postas sobre a mesa.
Bebeu a água dos copos e das quartinhas.
Comeu o pão de propósito escondido.
Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.
O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.
O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas.
O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras.
Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.
O amor comeu meu Estado e minha cidade.
Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré.
Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia.
Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.
O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas.
Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam.
Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta.
Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.
O amor comeu minha paz e minha guerra.
Meu dia e minha noite.
Meu inverno e meu verão.
Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.